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Psicanálise sob a ótica da Fonoaudiologia: mais que corrigir a fala, é preciso escutar quem fala

A psicanálise no viés da fonoaudiologia propõe um olhar que ultrapassa a dimensão exclusivamente orgânico-funcional da linguagem, compreendendo a fala, a voz, a escuta e o silêncio como manifestações atravessadas pela subjetividade, pelo desejo e pela constituição psíquica do sujeito.

Linguagem para além do código

Enquanto a Fonoaudiologia tradicionalmente se ocupa dos aspectos motores, neurológicos e linguísticos da comunicação, o diálogo com a Psicanálise desloca o foco do “déficit” para o sujeito que fala (ou não fala). A linguagem deixa de ser apenas um sistema de signos e passa a ser entendida como um espaço simbólico onde se inscrevem marcas do inconsciente.

Nesse sentido, a fala não é apenas transmissão de informação, mas ato, atravessado por falhas, equívocos, lapsos e silêncios, todos eles significantes.

O sujeito da fala e da escuta

Inspirada sobretudo em Freud e Lacan, a Psicanálise compreende que: o sujeito é constituído na e pela linguagem; o inconsciente é estruturado como uma linguagem; o sintoma pode ser lido como uma forma de dizer algo que não pôde ser simbolizado de outro modo.

Para a Fonoaudiologia, isso implica reconhecer que alterações de linguagem, voz ou fluência podem funcionar como soluções subjetivas, e não apenas como disfunções a serem corrigidas.

Clínica fonoaudiológica e escuta psicanalítica

No viés psicanalítico, a clínica fonoaudiológica: valoriza a escuta do sujeito e de sua história; considera o sintoma como produção singular; evita intervenções normativas rígidas que silenciem o sujeito; reconhece o papel da transferência na relação terapêutica.

Isso é especialmente relevante em contextos como: atraso e distúrbios de linguagem; gagueira; mutismo; alterações de voz; clínica com crianças, sujeitos surdos ou com deficiência.

Infância, constituição subjetiva e linguagem

Autores como Françoise Dolto, Ajuriaguerra e Cláudia de Lemos contribuem para pensar a linguagem infantil não como simples aquisição de etapas, mas como um processo marcado pelo laço com o Outro, pelo desejo parental e pela inserção no simbólico.

Assim, a criança não é vista apenas como um organismo em desenvolvimento, mas como um sujeito em constituição, cuja linguagem responde a uma trama afetiva, discursiva e social.

Contribuições para a prática fonoaudiológica

A articulação entre Psicanálise e Fonoaudiologia permite: uma clínica menos medicalizante; maior atenção à singularidade do sujeito; intervenções que respeitam o tempo subjetivo; compreensão do sintoma como linguagem.

Em vez de perguntar apenas “como corrigir a fala?”, passa-se a perguntar também “o que essa fala diz?” ou “o que se cala quando a fala falha?”.

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